6 Minutos de leitura 29 jul 2024
pessoas fazendo uma reunião hibrida
Trabalho Reimaginado

Trabalho híbrido vs. remoto: desafios no contexto brasileiro

Por Oliver Kamakura

Sócio de Consultoria em Gestão de Pessoas da EY para o Brasil

Um sócio que se considera trainee, Oliver tem 16 anos de experiência em consultoria relacionada a pessoas pela EY.

6 Minutos de leitura 29 jul 2024

Quatro anos depois do início da pandemia, já longe do imperativo do trabalho remoto gerado pela necessidade de isolamento social em todo o mundo, observamos um novo ciclo de redefinições e readaptações aos modelos possíveis para o futuro do trabalho.

Em resumo

  • Quatro anos após a pandemia, observamos uma nova fase de adaptações aos modelos de trabalho, com empresas reavaliando o remoto e o presencial.
  • Muitas empresas brasileiras estão optando pelo trabalho híbrido, considerando-o mais eficaz em comparação com o modelo totalmente remoto ou presencial.
  • O artigo discute os desafios enfrentados no contexto brasileiro para adaptar-se aos novos modelos de trabalho e as estratégias para superá-los.
  • As empresas estão focadas em como a flexibilização pode aumentar a produtividade e melhorar o bem-estar dos colaboradores, mantendo os objetivos de negócio alinhados.

Trabalho Reimaginado

Não perca nenhum conteúdo de nossa série sobre o trabalho reimaginado! 

Inscreva-se

Quatro anos depois do início da pandemia, já longe do imperativo do trabalho remoto gerado pela necessidade de isolamento social em todo o mundo, observamos um novo ciclo de redefinições e readaptações aos modelos possíveis para o futuro do trabalho.

Diante da análise de resultados relacionados à produtividade, performance profissional e adesão à cultura das organizações, muitas empresas estão chamando seus times de volta aos escritórios, sendo que o modelo híbrido é o que mais ganha força diante do 100% remoto e do 100% presencial.

Há ainda as empresas que passaram a investir em rituais presenciais periódicos para equipes "remote first", o que antes não era previsto em muitos casos. Tudo isso nos leva à pergunta: no dilema do trabalho híbrido versus trabalho remoto, quais serão os principais desafios do contexto brasileiro e como superá-los?

Como eu sempre gosto de dizer, não há uma única saída para todos os casos. Cada empresa tem o seu universo, cultura e contexto, o que deve ser analisado com o devido cuidado para recalcular a rota e encontrar o melhor modelo nesse exercício de trabalho reimaginado. Mais do que isso, como fazer a transição para o híbrido quando o remoto já se estabeleceu?

Afinal, boa parte das pessoas já implantaram mudanças - às vezes até de bairro ou de cidade - com base em uma nova noção de qualidade de vida propiciada pelo home office ou pelo "anywhere office", fortalecendo fenômenos como o nomadismo digital.

A primeira certeza é que a flexibilização do trabalho é o futuro, mas que ela não é sinônimo de uma atuação 100% remota. Há pelo menos 5 cenários prevalentes: 100% remoto, 100% presencial, totalmente híbrido, híbrido com prevalência presencial, ou prevalentemente remoto com alguns encontros presenciais.

A segunda certeza é que tanto os objetivos do negócio quanto o bem-estar dos colaboradores precisam ser levados em consideração, tendo os indicadores de produtividade e desempenho sempre no centro das decisões. Essa necessidade de maior diálogo entre reivindicações aparece na pesquisa global EY Trabalho Reimaginado (2023), que aponta que a correlação de poder entre funcionários e gestores também mudou, inclusive no Brasil, conforme o gráfico.

O levantamento aponta que, atualmente, menos da metade (47%) dos empregadores acreditam que detém mais poder que os empregados em termos de influência sobre benefícios, retenção e modelos de trabalho, entre outros temas.

Híbrido versus remoto: estatísticas e preferências no Brasil

Um relatório recente da consultoria JLL mostra que as empresas brasileiras apostam no modelo híbrido mais do que as do resto do mundo: no nosso país,  86% das empresas pesquisadas aderem ao modelo, contra 54% na Europa, Oriente Médio e África; 44% na Ásia-Pacífico e 41% na América do Norte.

A pesquisa também aponta que a maioria das empresas brasileiras (45%) optantes pelo trabalho híbrido adota 2 dias de trabalho presencial e 3 dias remotos por semana. Outro dado relevante é que, hoje, apenas 14% das empresas brasileiras adotam o modelo 100% remoto.

Segundo o mesmo estudo, a área de tecnologia é a que mais contém empresas em regime híbrido, enquanto os segmentos de construção e indústria são os que mais contém trabalhadores no presencial, até pela característica das ocupações. Na prática, em âmbito geral, é importante lembrar que os modelos não são excludentes.  

Empresas de um mesmo segmento podem escolher modelos diferentes por conta de seus posicionamentos e prioridades, enquanto uma mesma marca pode aplicar modelos distintos a equipes com necessidades distintas, ou mesmo optar por modelos primordialmente presenciais ou remotos que tenham suas brechas de flexibilidade e rituais específicos. 

Os efeitos das mudanças são sentidos até mesmo no trânsito de veículos de grandes cidades como São Paulo, onde a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) registrou em 2023 um aumento do congestionamento às terças, quartas e quintas-feiras, demonstrando que esses são os dias preferidos para os profissionais trabalharem presencialmente.

Antes da pandemia, os recordes de engarrafamento ocorriam majoritariamente às sextas-feiras. Hoje, o último dia útil da semana registra queda de 2,3% nos congestionamentos em relação a 2022.

Trabalho remoto e trabalho híbrido: retrato e principais desafios

Os principais desafios enfrentados com o trabalho 100% remoto nas empresas têm a ver com produtividade, formação e integração de times, adesão à cultura e inovação. Talvez, um dos dados mais instigantes da pesquisa da EY seja justamente o de que 16% dos colaboradores prefere o trabalho presencial aos demais modelos, por uma série de razões que vão da socialização à estrutura dos escritórios. O número é minoritário, mas ainda assim significativo.

Mesmo assim, com as estatísticas mostrando uma preferência maior pelo remoto entre os colaboradores, cabe às empresas que detectam esses gargalos melhorar seus motivos para trazer as pessoas de volta ao trabalho presencial em grupo. Isso passa por compreender as mudanças de estilo de vida e maior equilíbrio entre o trabalho e o tempo fora dele, além do grande impacto na vida das pessoas desde 2020.

Ao mesmo tempo, questões como o ambiente competitivo de cada mercado, resultados atuais, metas estabelecidas e até mesmo a transformação digital precisam ser consideradas para chegar a um modelo consolidado e bem escolhido.

Outro desafio está nas empresas que já nasceram remotas ou que foram muito veementes ao transicionar para esta posição durante a pandemia, como se fosse uma decisão eterna, ou pelo menos de longo prazo. Afinal, boa parte da atração e da retenção de talentos nessas companhias passa por essa premissa.

Muitas das empresas nativas digitais que já nasceram remotas montaram equipes espalhadas geograficamente pelo país, e até pelo mundo, gerando até mesmo uma multiculturalidade maior.

Como mudar de discurso e exigir presença física sem trair a própria cultura e, sobretudo, sem decepcionar as pessoas, diminuir o engajamento e aumentar o turnover? O fato é que, independente do crescimento do efetivo ou do número atual de colaboradores, a realidade sempre pode se tornar mais complexa e exigir mudanças.

Legislação e benefícios no trabalho híbrido e no remoto

É importante frisar que, independente do modelo de trabalho adotado, trabalhadores em regime de CLT têm sempre os mesmos direitos. O pacote de remuneração e benefícios, porém, deve ser revisto de acordo com as especificidades.

Por exemplo, um colaborador em formato híbrido ou presencial deve ter seu vale transporte ou combustível ajustado de acordo com o número de viagens mensalmente previstas até o trabalho. 

Em contrapartida, aquele que atua remotamente vai precisar de um auxílio home office ou de uma estrutura que inclua, por exemplo, um notebook e um fone de ouvido adequado para o trabalho à distância, entre outros pontos.

Hoje, muitas empresas de cultura remota contratam profissionais com habilidades específicas que moram em localidades menos desenvolvidas do país. Elas certamente estão marcando pontos positivos nos quesitos de inclusão e diversidade às suas equipes, mas devem se atentar a questões como o piso salarial de cada região, além do custo de vida, da cobertura do plano de saúde e da aplicação dos demais benefícios em cada localidade.

Considerar todos esses fatores permite uma visão de longo prazo mais precisa e mais justa para todos os colaboradores, respeitando as diferentes realidades e contextos, sem ferir a cultura e as políticas de RH.

Quando e como fazer a transição entre remoto e híbrido?

Um dos primeiros pontos a serem avaliados é a real necessidade do trabalho presencial e os reais motivos para ter as pessoas juntas no mesmo ambiente. A escolha não pode ser randômica, e sim, bem estudada. Afinal, a jornada entre casa e escritório pode ser demorada e reduzir o tempo de descanso, assim como o ambiente do escritório pode ser improdutivo em caso de excesso de estímulos e reuniões, interrupções constantes, gestores com trato ruim ou que pressionam demais no contato pessoal, sem contar as demandas que não fazem sentido.

Esses fatores podem gerar uma sensação de bagunça, que por sua vez pode levar ao estresse e ao burnout. Embora o ambiente doméstico também possa estar cheio de distrações improdutivas, é preciso fazer valer a presença das pessoas e tirar o melhor proveito dos encontros, mantendo claros os objetivos da interação e as ações esperadas com cada uma delas.

Só assim é que as empresas conseguirão propiciar ambientes favoráveis para a alta performance dos funcionários, em linha com as metas e necessidades do negócio. Fora dessa ordem, não adianta em nada mudar o modelo de trabalho.

Além do entrosamento de times, a diversidade cognitiva é um dos bons motivos para criar pelo menos algumas rotinas presenciais ou apostar no modelo híbrido. Observar uma pessoa pela tela é diferente de observá-la e interagir ao vivo, onde ideias, opiniões, personalidades, históricos de vida e pontos de vista distintos têm mais tempo e espaço para vir à tona. Tais discussões podem ser extremamente criativas, trazendo aprendizados, inovações e insights para o negócio que seriam impossíveis de outro modo. Isso também é team building.

Com uma contabilidade precisa sobre os prós e contras de cada modelo dentro da realidade e dos anseios específicos da organização, dos seus colaboradores e do mercado, é hora de tomar a decisão. Uma vez que isso aconteça, é importante estabelecer e comunicar com transparência um passo a passo para essa transição, deixando claros os motivos para isso e criando canais para que as pessoas tirem suas dúvidas e se sintam ouvidas e respeitadas nesse processo. 

Resumo

Desde 2020, o ambiente de trabalho vem passando por grandes mudanças. Modelos flexíveis, como o remoto e o híbrido, ganharam força, empurrados pela necessidade e novas tecnologias. Hoje, o desafio é achar um meio-termo que valorize tanto a eficiência das empresas quanto o bem-estar dos funcionários. As organizações que conseguirem equilibrar esses aspectos estarão melhor posicionadas para se destacar num mercado competitivo e em constante transformação. É preciso reforçar a importância de um diálogo contínuo e ajustes estratégicos para navegar eficazmente neste novo cenário de trabalho.

Sobre este artigo

Por Oliver Kamakura

Sócio de Consultoria em Gestão de Pessoas da EY para o Brasil

Um sócio que se considera trainee, Oliver tem 16 anos de experiência em consultoria relacionada a pessoas pela EY.