Por que a descarbonização sozinha não tornará as empresas automotivas sustentáveis

A indústria automotiva tornou-se mais ecológica nos últimos anos. Entre 2006 e 2021, as emissões da fabricação de automóveis na União Europeia caíram mais de 45%.¹ E nos nove anos até 2021, as quantidades de CO₂ que os carros novos emitem foram reduzidas em cerca de 22%.² Mas há um longo caminho a percorrer na jornada de descarbonização. A indústria ainda é responsável por cerca de 15% das emissões totais de CO2 na UE.³

As dificuldades que as empresas automotivas enfrentam ao tentar atingir o zero líquido não podem ser exageradas, mas o carbono é apenas parte da história ESG. No espaço ambiental, por exemplo, a indústria automobilística é um dos principais impulsionadores da perda de biodiversidade e da desertificação. Globalmente, por exemplo, a indústria usa cerca de 30% do couro produzido no Brasil,⁴ que tem sido a principal causa do esgotamento da floresta tropical na Amazônia. As empresas fazem mais para limitar seu impacto no desmatamento e tomam medidas positivas ao considerar florestas, pântanos e outros habitats cruciais quando pensam no projeto e localização de novos edifícios e fábricas.

No espaço social, várias grandes empresas automobilísticas adotaram uma abordagem proativa para lidar com os abusos dos direitos humanos e promover melhores salários e condições em suas cadeias de suprimentos. Mas quantos podem dizer que têm uma estratégia abrangente para abordar os aspectos sociais da sustentabilidade? O que seria possível se você procurasse maneiras de causar um impacto positivo em todas as sociedades e comunidades nas quais sua empresa atua? Você poderia tornar a atividade pró-social uma parte visível e tangível do seu modelo de negócios?

As questões ambientais e sociais são, em última instância, questões de governança. As necessidades de quem sua organização está realmente tentando atender e como essas necessidades estão mudando? É apenas sobre os acionistas? Relatórios mais transparentes tornam mais fácil ver e comparar o impacto que as empresas têm, mas o que significa ir além da conformidade e se tornar um bom ou melhor cidadão corporativo? Como uma compreensão mais ampla das maneiras pelas quais você cria ou destrói valor pode levar a mudanças na maneira como sua organização se comporta tradicionalmente?

O que estamos falando em cada uma dessas áreas é levar a sustentabilidade além de eliminar ou mitigar os problemas que sua empresa causa e, em vez disso, perguntar como você pode fazer uma diferença positiva para o mundo. Visto por essa lente, a sustentabilidade não é apenas um dos vários fatores que você considera às vezes, é parte de tudo o que você faz, sempre, o tempo todo. Muitos líderes automotivos já estão tendo esse tipo de conversa, mas até que ponto isso se infiltra na organização?

Não precisa haver uma troca entre fazer a coisa certa e obter lucro. As empresas automotivas podem se tornar sustentáveis enquanto criam valor de longo prazo para todos os seus stakeholders. Na verdade, a demanda por maior sustentabilidade é uma oportunidade geracional para impulsionar a prosperidade futura.

Nos últimos anos, vimos uma mudança fundamental na maneira como as pessoas na indústria automobilística falam sobre sustentabilidade. O desempenho da indústria tem sido em função de quantos veículos são vendidos a cada ano. Mas vender mais veículos a um preço mais alto a partir de um custo de produção mais baixo muitas vezes conflita com a administração de uma cadeia de suprimentos sustentável que apoia o meio ambiente e as comunidades locais. Nessa perspectiva, se você tentar ser mais sustentável, estará prejudicando sua lucratividade. É inevitável. Muitas ONGs acreditam que, se quisermos evitar uma catástrofe climática, temos que comprar menos carros e dirigir menos.

Mas a equação está mudando. Um exemplo é a rápida transição para veículos elétricos. Espera-se que as vendas de veículos elétricos ultrapassem as vendas de carros novos de outras motorizações na Europa até 2027. Todos os principais OEMs lançaram ou programaram modelos EV, e alguns pretendem ser totalmente elétricos nos próximos 10 a 15 anos. Prevê-se que as vendas globais de veículos com motor de combustão interna (ICE) fiquem abaixo de 1% até 2040.⁵

No entanto, a mudança para a eletrificação é apenas parte da resposta. Não há lítio suficiente no mundo para fornecer o número de baterias necessárias para alimentar todos esses veículos elétricos, e a mineração de lítio dificilmente é um negócio verde. Na América do Sul, é um dos principais contribuintes para a desertificação. E é realmente sustentável descartar um carro com motor de combustão interna de cinco anos para comprar um novo veículo elétrico? Essa pergunta não é tão fácil de responder.

A transformação que realmente mudará a equação da sustentabilidade é mais ampla. Envolve uma mudança para modelos de negócios baseados nos princípios da economia circular – reformar, reduzir, reutilizar e reciclar. Hoje, por exemplo, apenas 5% das baterias de íons de lítio são recicladas globalmente,⁶ enquanto o Fórum Econômico Mundial prevê que a reciclagem pode reduzir a demanda anual de matérias-primas em cerca de 7% em 2030.⁷

O impacto potencial de uma economia circular

Não se trata apenas de baterias. Espera-se que muitos EVs cheguem ao fim de sua vida útil na década de 2030:⁸ como conseguiremos lidar com esse aumento?

E se usássemos os princípios da economia circular para reimaginar a manutenção e o serviço? Quando você troca o óleo, também consegue substituir, reciclar e reutilizar outras peças do seu veículo, como o vidro do pára-brisas ou o couro dos bancos? Vários OEMs na Europa já adotaram um processo de reciclagem de circuito fechado como parte de uma estratégia de circularidade e estão focados em expandir seus modelos de negócios de remanufatura.

É um desafio implementar esses princípios o tempo todo, em vez de às vezes, e fazer mudanças fundamentais no modelo de negócios em um contexto altamente volátil. As principais premissas subjacentes aos planos de sustentabilidade – como preços de combustível, incentivos governamentais, políticas fiscais e preferências do consumidor – podem mudar repentinamente.

É importante identificar e monitorar as mudanças relevantes no contexto de planejamento e, em seguida, analisar seu impacto potencial em seus objetivos, planos e cronogramas de negócios em um nível detalhado. Isso destacará quaisquer novos problemas, bem como oportunidades, e permitirá que você corrija o curso conforme necessário, mas apenas quando necessário, para que possa se adaptar a um mundo em mudança com perda mínima de impulso.

A agenda da sustentabilidade pode parecer algo que está sendo imposto de fora à organização, algo a que os executivos só podem reagir. A mudança tem que acontecer, mas a mentalidade com a qual você se envolve depende de você. As empresas que prosperarão são aquelas que aceitam a responsabilidade de transformar e liderar desde o início.

Mas liderar não significa necessariamente que você seja sempre o primeiro, ou que sua organização deva se tornar um ativista ambiental. O importante é encontrar e trilhar um caminho certo para o seu negócio; para definir metas e alvos que sejam relevantes e autênticos para quem você é e de onde você vem; e então fazer o trabalho necessário para alcançá-los. Os planos de transformação são mais confiáveis – principalmente para investidores e seus funcionários – quando se trata de fazer a coisa certa e ganhar dinheiro.

A filantropia é importante, mas não é disso que estamos falando. Como argumentamos, a sugestão de que a sustentabilidade é um bom negócio ainda pode exigir um salto imaginativo para alguns. No entanto, esta é apenas uma das muitas mudanças de mentalidade que a liderança exige.

Não é possível listar as premissas que as pessoas precisam questionar e, se necessário, abrir mão, pois serão diferentes para cada organização. Muitas marcas automotivas têm uma herança valiosa no luxo: sustentabilidade e luxo podem parecer incompatíveis. Eles podem redefinir o que significa luxo em um mundo sustentável, para que possam construir sua herança e torná-la relevante? Muitos estão tentando. Eles podem fazer isso de uma maneira que os stakeholders - incluindo altas vozes críticas - considerem confiável, não apenas marketing ou lavagem verde?

Marcas mais focadas em acessibilidade podem precisar desafiar algumas de suas suposições sobre a relação entre custos e sustentabilidade na cadeia de suprimentos. Se você colocar seus fornecedores sob intensa pressão para manter os custos baixos, eles terão lucro suficiente para investir na redução de sua pegada de carbono ou no pagamento de salários decentes? Como você pode redefinir a acessibilidade de uma forma que inclua a sustentabilidade?

A indústria automotiva está mudando rapidamente. À medida que os líderes olham para o futuro, é essencial que identifiquem e desafiem todas as suposições sobre o que é provável e possível e como a organização que dirigem hoje pode criar valor amanhã. Eles também precisam considerar quais novas suposições relacionadas à sustentabilidade precisam ser incorporadas em todas as decisões. Onde estão as novas oportunidades e riscos? Quais são as implicações práticas para o que você está fazendo e como está pensando agora? Ao questionar as principais suposições, você pode identificar novas oportunidades e aumentar a confiança na resiliência da estratégia existente.

Para as empresas automotivas, a sustentabilidade está no cerne do que fazem, como fazem e como ganham dinheiro com isso. Qualquer tipo de transformação sempre criará negócios complexos e problemas técnicos que precisam da melhor combinação de percepção, habilidades, atitudes e experiência para serem resolvidos. A diferença com a transformação para a sustentabilidade é que ninguém fez isso antes.

Novas tecnologias, chavões, problemas, oportunidades, metas e projetos internos concorrentes podem fazer parecer que muita coisa está acontecendo ao mesmo tempo. Com muitos fluxos de trabalho paralelos, as empresas podem lutar para traduzir a estratégia em implementação diária eficaz. Eles não têm capacidade e habilidades suficientes e carecem de processos e ferramentas para medir o progresso.

Se a sustentabilidade existir por muito tempo como um mundo paralelo dentro do modelo operacional de uma empresa, ela terá dificuldade para mudar efetivamente. Vimos empresas automotivas dizerem que usarão 100% de energia renovável até 2030, apenas para que seu departamento de compras chegue a um acordo para comprar energia não renovável pelos próximos cinco anos porque custa menos e os processos de aquisição não foram ajustados para alinhar com os objetivos de sustentabilidade. A sustentabilidade deve ser incorporada gradualmente em todas as áreas do modelo operacional, processos e organização. De fato, em algum momento as organizações vão parar de falar sobre sustentabilidade, porque a sustentabilidade será apenas um negócio “normal”.

Este é um processo passo a passo que não pode acontecer do dia para a noite. Mas, à medida que você alcança e relata o impacto positivo que está causando e o quanto isso é valioso, você cria suporte e comprometimento internos e atrai mais investimentos. Decida que sustentabilidade em todas as suas formas é importante, comprometa-se a fazer algo significativo a respeito, procure maneiras de criar valor, tome as medidas necessárias e mantenha-se no caminho certo. Você estará ajudando a construir a indústria automotiva e garantindo o sucesso contínuo do seu negócio.