Por Luciane Infanti, sócia e líder da EY-Parthenon para a América do Sul; e José Ronaldo Rocha, sócio da EY e líder de consultoria para Tecnologia, Mídia & Entretenimento e Telecomunicações para América do Sul
Achegada da tecnologia 5G deve provocar uma revolução em diversos setores da sociedade, entre eles o da saúde. Procedimentos impensáveis no passado, como cirurgias a distância e antecipação de diagnósticos com auxílio da tecnologia, serão práticas comuns e farão parte do dia a dia de médicos e pacientes.
A nova geração da conectividade representa o início de uma jornada de inovação que pode trazer grandes ganhos para todos os stakeholders, uma vez que a lógica da saúde mudará totalmente com o acesso à informação em tempo real e o monitoramento mais preciso da população. Até hoje, era preciso que um problema de saúde surgisse no paciente para que fosse elaborado um diagnóstico e, em seguida, o início do tratamento. A tecnologia de ponta, porém, pode antecipar esse processo e garantir um resultado muito mais eficiente.
A expansão do 5G e as oportunidades para o uso de Internet das Coisas (IoT), Inteligência Artificial, wearables e ferramentas de telemedicina viabilizam um ecossistema de saúde que utiliza dados em tempo real para detectar eventuais questões de saúde ainda em seus estágios iniciais. A tecnologia aumentará a eficácia da saúde preventiva, cuja eficiência está ligada ao acompanhamento contínuo. E esse acompanhamento depende do engajamento do paciente, facilitado pelo 5G por meio do input de dados confiáveis em tempo real, para trazer ainda mais precisão e eficiência aos tratamentos.
Dessa maneira, o 5G pode promover uma saúde muito mais democrática, acessível a uma parcela muito maior da população – e em regiões e especialidades pouco disponíveis até o momento. Populações de áreas remotas terão acesso aos sistemas de saúde nos mesmos moldes, ou muito próximos, de pessoas que moram em regiões mais desenvolvidas.
O estudo EY Reimagining Industry Futures, desenvolvido pela EY em 2021, mostra que a pandemia colocou o 5G no topo das prioridades do ecossistema global de saúde. Aplicações como o monitoramento de pacientes e a entrega de cuidados pessoais de forma virtual ganharam importância.
Naturalmente, os primeiros ganhos virão no espectro mais sofisticado dos serviços de saúde, na forma de cirurgias remotas, ambulâncias e hospitais conectados. Essas soluções se beneficiam da baixa latência do 5G e da capacidade de conexão nos grandes centros. Mas será questão de tempo para que uma infinidade de aplicações se torne realidade, proporcionando intensa transformação nos modelos e práticas de saúde.
Os impactos do 5G no ecossistema de saúde são múltiplos. Com inúmeros stakeholders desempenhando papéis importantes em várias fases da jornada do paciente, é natural que as consequências de uma medicina preventiva em tempo real se mostrem de maneiras bastante diversas.
Uma primeira camada de transformação está ligada aos cuidados de precisão. O entendimento dos hábitos e comportamento dos pacientes, a partir de tecnologias e equipamentos automatizados, faz com que a coleta e análise de dados dependa menos de ferramentas de engajamento e mais da conectividade. O grande benefício dessa abordagem é a informação qualificada em tempo real, sem que pessoas que não entendam de saúde precisem inserir dados.
Isso representa uma mudança radical na maneira como o ecossistema de saúde monitora os pacientes e lida com as informações. Em vez de depender da memória do paciente ou de sua disponibilidade com equipamentos e sistemas de acompanhamento, o ecossistema passa a receber informações efetivas em tempo real.
Essa capacidade de coleta de dados leva à segunda camada de transformação da saúde: a jornada do paciente. A tecnologia 5G quebra o tradicional ciclo sintoma/diagnóstico/tratamento e permite atender mais pessoas em um momento anterior dessa jornada, em que a possibilidade de sucesso no tratamento é muito maior. A captação de informações antes que os sintomas se manifestem aumenta a assertividade dos tratamentos a custos mais baixos.
A terceira dimensão da transformação na saúde é a das doenças crônicas e cuidados monitorados. Os avanços na conectividade criam condições para maior assistência remota e menor uso de leitos hospitalares. Essa mudança provoca impacto significativo nas estratégias públicas e privadas de saúde e nos tratamentos, gerando mais valor para a qualidade de vida das pessoas.
O cenário proporcionado por essas três dimensões permitirá que o ecossistema de saúde surfe em uma onda positiva que foi iniciada pelo aumento do engajamento digital em meio à pandemia de Covid-19. Nos últimos dois anos, a prontidão digital aumentou e as resistências à coleta de dados pela população diminuíram. A constatação de que os contatos digitais entre pacientes e médicos se tornaram mais seguros quebrou a maior barreira ao uso de recursos de telemedicina.
A transformação do ecossistema de saúde depende, entretanto, de um aspecto essencial: a coleta de dados e o monitoramento dos pacientes. Para que o potencial do 5G se concretize, os agentes envolvidos precisam dar prioridade às questões relacionadas à privacidade e à segurança das informações.
Com o aumento da conectividade e a inclusão de novos dispositivos como parte dessa arquitetura de cuidado do paciente, as ameaças cibernéticas podem ter um impacto ainda mais importante. Como o sistema brasileiro de saúde é baseado na gestão de riscos, poderemos ter limitações ao acesso à informação, que certamente impedirão que a conectividade 5G alcance todo o seu potencial.
Por outro lado, o 5G estimula cada indivíduo a ter sua própria wallet digital de informações de saúde, disponibilizando acesso a essa carteira somente para quem for autorizado. Empoderar o indivíduo, que é o proprietário de suas informações, está alinhado à filosofia da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), mas é preciso estar atento à governança desses dados. Nesse novo modelo de gestão da informação, cada indivíduo passa a ser responsável pela liberação do acesso do ecossistema de saúde às suas informações.
Nos próximos anos, em paralelo ao desenvolvimento do 5G, haverá um avanço significativo nas estruturas de governança para o uso correto dos dados dos pacientes e dos serviços de saúde. Considerando que essas informações poderão ser usadas não apenas individualmente, mas também de forma coletiva, abrem-se possibilidades interessantes para que os governos utilizem dados populacionais para dimensionamento de campanhas de vacinação ou de ações em tempos de crise, como pandemias. Por outro lado, os sistemas públicos precisarão reforçar suas estruturas de segurança para lidar com o aumento do volume de dados armazenados e trafegados.
Ferramentas e estruturas não são, em si, boas ou ruins. Bem ou mal é o que se faz a partir desse arcabouço. Por isso, a governança e o uso ético dos dados se tornam tão importantes. Com o 5G, a intensificação das conexões permitirá acelerar a capacidade de troca de dados entre os diversos agentes do sistema de saúde, gerando mais informações, conhecimento, interações e novas aplicações. O resultado será a democratização do acesso à saúde, com um impacto significativo sobre a qualidade de vida da população brasileira.