Por Diogo Mac Cord, sócio-líder de Infraestrutura e Mercados Regulados da EY para a América Latina Sul
Oser humano tende a minimizar os problemas que vão acontecer no futuro distante. É compreensível: por menor que seja sua taxa de desconto, quando aplicada por 30 anos o valor presente tende a ser muito baixo. O problema é que, inevitavelmente, um dia o longo prazo chega – e é hora de descontar a boleta.
Contratos de infraestrutura são assim: longos, com décadas de duração. Em 2015, começaram a vencer os primeiros, de distribuição de energia elétrica, firmados em 1995. Outros, da mesma época, mas com vigência de 30 anos, vencerão a partir de 2025. Muitos, de outros setores, também já venceram ou estão próximos de vencer: rodovias, malhas ferroviárias, distribuição de gás etc.
Mas por que isso é relevante? Porque é o momento de refletirmos sobre o longo prazo – que, como estamos testemunhando agora, acaba chegando em algum momento, e todos nós (pasmem!) permanecemos vivos para enfrentar todos os problemas que não foram devidamente endereçados lá atrás. Por isso, fica a pergunta: Quais poderiam ser os novos termos e condições desses contratos para ajudar nosso “eu” do futuro?
Quando o sistema Telebras foi privatizado, imaginou-se que fazia todo sentido exigir que as operadoras instalassem e operassem um sistema de orelhões de Norte a Sul. Naquela época, fazia mesmo: era a tecnologia existente. O erro, entretanto, foi fixar o meio, e não o fim: o fim era a comunicação universal; o meio... ora, o meio não deveria importar.
Infraestrutura, afinal de contas, não deveria ser sobre a construção de um ativo, e sim sobre a entrega de um serviço. A necessidade não é uma estrada: é a locomoção; não é uma usina térmica: é a energia. Essa distinção é muito importante, pois dá o incentivo correto para a inovação.
Veículos voadores e autônomos não são mais peças de ficção científica. Qual será seu efeito sobre a mobilidade urbana – e sua demanda por passageiros – daqui a 20 anos? Sistemas fechados de água e esgoto reduzem muito a necessidade de investimentos em captação e distribuição de água, bem como de coleta e tratamento centralizado de esgoto. Como isso pode se refletir em alguns contratos, que se preocupam mais com o volume investido do que com o serviço prestado? Muitos são os exemplos, e por isso é tão importante pensar na “reciclagem” desses contratos antigos de concessão.
Aliás, uma provocação ainda maior pode ser feita: Será que ainda precisamos de contratos de concessão para todos os setores de infraestrutura? Telecom, por exemplo, pela lei 13.879/2019, tem agora a oportunidade de “indenizar” o poder concedente pelos ativos originalmente reversíveis, conquistando a liberdade total de administração de sua operação, com uma carga regulatória muito menor. Considerando a evolução tecnológica de hoje e a dificuldade de se desenhar contratos de longuíssimo prazo, será que esse modelo poderia ser replicado? Os ministérios de Minas e Energia e da Infraestrutura, por exemplo, tem patrocinado importantes avanços em setores como ferrovias e energia elétrica, demonstrando um interessante caminho por autorização.
O Brasil tem um forte histórico de investimentos privados em infraestrutura. Essa posição foi alcançada quebrando vários paradigmas ao longo das últimas décadas. Precisamos continuar esse movimento, cada vez mais com foco em inovação, que se traduz em novos serviços aos usuários e novos negócios ao investidor. Como sabemos que inovação só ocorre com liberdade e incentivos alinhados, o vencimento dos contratos chega na hora certa para construirmos nosso “novo longo prazo”, mas do jeito que o mundo de hoje exige: sem amarras e sem fronteiras.