Por Alexandre Rangel, sócio-líder de consultoria para o setor de Agronegócio da EY para América Latina Sul, e Victor Uchoa, gerente sênior de Business Transformation e líder de Sustentabilidade para o Agronegócio
Certamente, as mudanças climáticas representam uma das maiores ameaças para o agronegócio global. Em pesquisa realizada no ano passado pela EY com executivos do agronegócio, o efeito da mudança climática foi considerado o principal risco para a perenidade de seus negócios e empresas.
Com o aumento das temperaturas, eventos climáticos extremos e alterações nos padrões de chuva, o setor agrícola já enfrenta desafios significativos. De acordo com estudo publicado na revista Nature Climate Change, aproximadamente 28% das áreas agricultáveis do Centro-Oeste brasileiro deixaram de estar no padrão climático ideal para o plantio de soja e milho, e projeta-se que, se não forem adotadas medidas sustentáveis, esse número chegue a 50% até 2030 e 74% em 2060.
Além disso, 70% das emissões de gases de efeito estufa estão relacionadas ao agronegócio e, mais especificamente, com a mudança do uso do solo, incluindo desmatamento e conversão de florestas em pastagens. Ou seja, há quem diga que o agronegócio está se autodestruindo, uma vez que é gerador do seu maior risco: a mudança climática.
Por outro lado, o agronegócio tem à frente uma grande oportunidade de contribuir positivamente para frear os efeitos da mudança climática, com a adoção de práticas sustentáveis e inovações tecnológicas. O manejo agroecológico, rotação de culturas e sistemas agroflorestais não só ajudam a mitigar impactos negativos das mudanças climáticas como também reduzem a emissão de gases de efeito estufa. Além disso, a aplicação de tecnologias como sensores, drones e análise de dados pode melhorar a eficiência no uso de recursos como água, fertilizantes e defensivos, fazendo com que o alimento que chega à mesa do consumidor tenha uma “pegada de carbono / água / insumos” menos intensa quando comparada com a agricultura tradicional.
Dessa forma, o agronegócio pode ser um grande agente de transformação para uma economia verde e menos intensiva em carbono e, mais do que isso, pode também ser um sequestrador de carbono da atmosfera, contribuindo assim de forma significativa para um mundo de carbono zero líquido (net zero).
Vale ressaltar que o mundo tem desde 1997, com o Protocolo de Kyoto, discutido e incentivado a redução da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. Em 2015, com o Acordo de Paris, um passo importante foi dado, no qual se chegou a um acordo de limitar o aumento da temperatura global abaixo de 2ºC. Desde então, os mercados de crédito de carbono (1 crédito de carbono é equivalente a 1 ton de CO2 evitado ou removido da atmosfera) vêm ganhando tração, e o agronegócio terá papel relevante na geração de créditos de carbono. Segmentos industriais considerados “hard to abate”, como óleo e gás, siderurgia e construção civil, poderão comprar créditos advindos de melhores práticas de manejo do solo e compensar suas próprias emissões, gerando uma fonte adicional de receita para os agricultores e empresas do setor.
Recentemente, temos ouvido muito o termo “agricultura regenerativa”, que se trata de método de cultivo muito antigo, mas que está tomando conta do setor. Práticas de agricultura regenerativa devolvem a terra degradada à natureza, usando o solo como um sumidouro de carbono sequestrado da atmosfera. Além disso, essa abordagem reduz o uso de outros recursos como água e minerais, além de aumentar a vida selvagem e promover a biodiversidade. Diversos métodos compõem a agricultura regenerativa, tais como plantio direto, uso de bioinsumos e não defensivos químicos, maximização da cobertura do solo por meio de raízes vivas, rotação de culturas, combinação da criação de gado com cultivos agrícolas e florestais (IPLF – integração pecuária, lavoura e floresta), entre outros. Conforme os agricultores e pecuaristas adotam a agricultura regenerativa, suas terras deixam de ser emissoras líquidas de GEE para sequestrar carbono, sendo elegíveis à geração de créditos de carbono para comercialização em mercados regulados ou voluntários. Para tal, produtores precisam validar suas práticas com uma instituição terceira que fará então a emissão de créditos para futura comercialização.
Além dos créditos, a agricultura de baixo carbono é cada vez mais incentivada pelos governos e, em alguns casos, objeto de regulação, o que pode impactar o “direito de operar” dos produtores. O recém-anunciado plano Safra 23/24 incentiva o fortalecimento dos sistemas de produção ambientalmente sustentáveis, com linhas de créditos incentivadas para os produtores rurais que adotam práticas agropecuárias consideradas mais sustentáveis.
Ao explorar as oportunidades oferecidas pelos créditos de carbono, o agronegócio pode desempenhar um papel crucial como agente de transformação para uma economia verde. Além de contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa, o setor agrícola pode se beneficiar economicamente com a comercialização de créditos. O engajamento de governos, empresas e agricultores será essencial para garantir a segurança alimentar e a sustentabilidade do agronegócio em um mundo em constante transformação climática, construindo assim um futuro resiliente e próspero para a agricultura.
*Este artigo foi publicado inicialmente no Integridade ESG.