Por André Marinho, gerente sênior de Economic Advisory da EY Brasil
A Emenda Constitucional 132/23 marcou um momento decisivo na reformulação do sistema tributário brasileiro, desencadeando amplo debate sobre suas consequências para o ambiente empresarial. Embora as alterações tenham por objeto os tributos indiretos incidentes sobre as vendas de bens e serviços, seus efeitos serão sentidos em todas as facetas das operações, desafiando as empresas a revisarem suas estratégias e modelos de negócio.
Para entender os efeitos da reforma, imaginemos uma empresa que precisará reajustar os preços do seu portfólio de produtos (como diferentes tipos de chocolate, por exemplo). Atualmente, em muitos casos, sobre cada produto incide uma carga tributária diferente (a depender de onde é fabricado, dos insumos utilizados, da estratégia de apropriação de créditos, entre outros fatores). No novo sistema, no entanto, a tendência é que essa carga seja equalizada, estando todos os produtos sujeitos, via de regra, a uma mesma alíquota, definida de acordo com o destino do produto. Como cada produto parte de um patamar, e todos potencialmente passarão a pagar a mesma coisa, a variação da carga tributária como resultado da reforma será diferente para cada um.
Além disso, é razoável assumir que essa mesma empresa atribui funções específicas para cada produto com base em suas estratégias e nas condições de mercado: por exemplo, alguns podem ser premium e gerar mais margem, outros usados para proteger a empresa da concorrência e outros para gerar volume e ganhos de escala. Isso implica que muito provavelmente a empresa não poderá simplesmente repassar a diferença de carga para o preço de cada produto, pois isso pode ir contra a estratégia de precificação. Surge a necessidade de repensar os preços, estratégias e posicionamento das marcas.
Da mesma forma que essa empresa precisará repensar a precificação dos seus produtos, os preços dos seus insumos muito provavelmente também serão redefinidos. Nesse sentido, haverá casos em que 1) os fornecedores vão reajustar margens e aumentar/diminuir preços e 2) que os insumos passarão a dar direito a crédito tributário, tornando-se mais baratos do que outras alternativas que já contavam com essa vantagem. Isso fará com que seja necessário repensar a operação, reavaliar fornecedores e muito possivelmente buscar novos arranjos produtivos.
Mas esse não será o único fator que pode forçar um replanejamento operacional: o fim de muitos benefícios fiscais concedidos por estados e municípios obrigará muitas empresas a repensarem a localização de suas fábricas, centros de distribuição, pontos e canais de vendas, entre outros. Abrir novas unidades em locais próximos aos mercados consumidores e de seus principais fornecedores poderá reduzir custos em muitos casos, mas trará o desafio do que fazer com as plantas e estabelecimentos já instalados. Enquanto fechá-las é uma alternativa óbvia e por vezes bastante custosa, explorar novos mercados a partir dessa estrutura já construída pode ser muito mais lucrativo, apesar de desafiador.
Por fim, muito se fala que as empresas terão árduo trabalho para estruturar suas áreas tributárias, especialmente durante o período de transição entre 2027 e 2032, em que o sistema atual coexistirá com o novo modelo. Mas os desafios serão muito mais profundos, com grandes punições a quem não se adaptar e enormes recompensas para aqueles que abraçarem as oportunidades que surgirão com as mudanças. A simplificação do sistema tributário deve melhorar o ambiente de negócios, mas exigirá muito trabalho.
