Por Diego Pereira, sócio-líder em ESG para o Setor Financeiro da EY; Regis Borges, Gerente Sênior de Serviços Financeiros na EY; e Alexandre Cabral, gerente de serviços para Mudanças Climáticas e Sustentabilidade da EY
As questões ambientais, climáticas, sociais e de governança (que hoje são tratadas no mercado pela sigla ESG) estão na pauta de todas as grandes empresas e do mercado financeiro como um todo. Esta é uma agenda global que já desembarcou no Brasil e tem gerado enormes desafios e oportunidades nos negócios.
Trata-se de um tema abrangente, que não se resume ao marketing ou à forma como as empresas são vistas pelos seus clientes em relação aos temas de sustentabilidade. Este tema agora passa a impactar na estratégia sobre como produtos e serviços são desenvolvidos, em como as empresas se organizam internamente (considerando a sua governança e a sua estrutura), no processo de seleção dos seus fornecedores e também na maneira como irão captar recursos para financiar estas iniciativas.
Tratando especificamente do financiamento das suas operações, a relevância do tema ESG nos últimos anos trouxe novas oportunidades de captação de recursos destinados ao desenvolvimento de negócios ligados ao assunto. Ou seja, existe hoje uma oferta crescente de recursos e de investidores que buscam financiar esta nova economia sustentável.
Neste contexto surgem os títulos verdes, que são instrumentos de dívida emitidos com o objetivo de financiar negócios e projetos que tenham o propósito de desenvolver uma nova economia, que leve em conta os temas de ESG.
Como podemos ver abaixo, já existem no mercado diversas opções de títulos que podem ser emitidos pelas empresas que têm o tema de ESG diretamente vinculado, como exemplo:
1. Títulos verdes (green bonds): papéis que representam a dívida de uma empresa, lançados no mercado para atrair recursos dos investidores. O dinheiro captado via tal instrumento recebe um selo, devendo a partir daí ser utilizado apenas para projetos ligados ao tema. Normalmente, esses projetos são ligados a temas de energia limpa e renovável, diminuição de emissão de poluição e fatores que acarretam o efeito estufa, tais como desmatamento. Entre as alternativas disponíveis no mercado que podem receber este tipo de selo estão: (i) debêntures; (ii) CRA; (iii) CRI; e (iv) cotas de FIDCs.
2. Títulos sociais (social bonds): são títulos que ganharam destaque durante a pandemia de Covid-19 devido às dificuldades econômicas e sociais observadas em todo o mundo. Buscam captar recursos para financiamento de projetos ligados a problemas sociais, como por exemplo, a diminuição de empregos, igualdade, falta de acesso à água ou ao saneamento básico, problemas de educação, criminalidade, moradia, entre outros.
3. Títulos de sustentabilidade (sustentability bonds): são instrumentos de dívida em que o montante captado será utilizado para financiar projetos ligados a melhorias ambientais e sociais combinadas (cobenefício). Podemos citar, como exemplos de projetos classificados nesta categoria de títulos, os ligados a saneamento básico que diminuem a poluição do meio ambiente e promovem melhorias sociais.
4. Linked bonds: diferentemente dos green bonds e dos social bonds, o dinheiro captado por estes títulos não recebem um selo. Neste caso, existe o compromisso por parte das empresas emissoras de que o uso destes recursos seja utilizado para alcançar metas ambientais ou sociais, dentro de um prazo predeterminado. Normalmente, caso a empresa consiga atingir estas metas (evidenciadas com base em indicadores – KPIs preestabelecidos), ela recebe uma premiação sobre a taxa de juros contratada e diminui assim o custo referente aos recursos captados.
Evolução na emissão de títulos verdes
O volume de títulos verdes vem crescendo substancialmente no mundo, e o Brasil também tem apresentado um alto nível de crescimento. De acordo com o relatório ESG Solutions, divulgado pela Moody’s em 31 de janeiro de 2022, a estimativa aponta um volume recorde de títulos ligados ao tema ESG na casa de US$ 1,35 trilhão de dólares no mundo neste ano, um aumento de 36% em relação aos US$ 992 bilhões emitidos em 2021.
Segundo o relatório de Análise do Mercado na América Latina e Caribe, publicado pela Climate Bonds Initiative com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Corporação Financeira Internacional (IFC), na América Latina o volume de títulos verdes, até o primeiro semestre de 2021, chegou a US$ 30,2 bilhões, com destaque para a emissão soberana da República do Chile (US$ 3,8 bilhões) e de vários emissores do Brasil (US$ 2,5 bilhões).
Um outro exemplo das oportunidades que existem nesse mercado está relacionado ao crédito de carbono. No Brasil, o mercado de crédito de carbono tem apresentado crescimento, entretanto, ainda representa pouco em relação ao seu potencial e em comparação às transações geradas no mercado global.
Entretanto, apesar do rápido crescimento, este montante parece ainda não representar um percentual significativo em relação ao total de recursos negociados, ou seja, ainda há um longo percurso a ser percorrido.
Estes dados, combinados, demonstram que o Brasil, apesar de ter assistido a um forte crescimento, tem oportunidade de alavancar ainda mais este mercado. Se considerarmos o potencial natural em relação a seu meio ambiente, agronegócio e grande mercado consumidor, o país pode se colocar como um dos principais destinos destes recursos verdes.
Para isso, além de as empresas colocarem os temas de ESG em sua pauta estratégica, também é necessário que o país possua um arcabouço normativo que auxilie que estes investimentos possam fluir para o país e estas iniciativas começaram a tomar forma em 2021.
Força das novas regulamentações
A partir de 2021, os temas de ESG também ganharam destaque junto aos reguladores e agentes de mercado no Brasil. Além de novas normas emitidas pelo Banco Central relacionadas ao tema e que impactam diretamente as instituições financeiras em seu processo de gestão de riscos, governança e reporte de relatórios vinculados à sustentabilidade, foram emitidas regulações por diversas entidades que dizem respeito à oportunidade de obtenção de financiamento de recursos ligados ao tema ESG, como por exemplo:
1. CPR Verde: CPR Verde é um título de crédito emitido por produtores rurais para o financiamento de atividades de reflorestamento e preservação de mata nativa em suas propriedades. Foi instituída pelo Decreto n° 10.828/2021 e tem por objetivo a redução de emissões de gases de efeito estufa, a manutenção ou o aumento do estoque de carbono florestal, a redução do desmatamento e da degradação da vegetação nativa, a conservação da biodiversidade, a conservação dos recursos hídricos, a conservação do solo e outros benefícios ecossistêmicos.
2. FIDC Verde: A CVM, por meio de audiência pública sobre o tema, deixou clara a primazia em incluir a regulamentação sobre os FIDCs Verdes (fundos que adquirem fluxos de recebíveis com características socioambientais). A nova norma a ser estabelecida trará requisitos mínimos para a classificação dos fundos como FIDCs Socioambientais a partir do investimento em direitos creditórios que, de alguma forma, decorram de projetos ligados ao tema. Antes da regulação oficial ser publicada pela CVM, com previsão ainda para 2022, produtos com foco socioambiental já estão sendo estruturados e oferecidos no mercado.
3. Autorregulação da Anbima sobre fundos de investimento: foi criada, em 2021, uma série de regras para identificação de fundos sustentáveis via autorregulação. Estas regras valem para fundos de ações e de renda fixa e deverão ser expandidas para outras classes. As novas normas foram elaboradas em linha com as recentes orientações da International Association of Securities Commisions (losco) e tem por objetivo mitigar o risco de greenwashing. Vale ressaltar que a consideração de questões ESG nos fundos é um processo que não está limitado à abordagem de composição da carteira de investimentos do fundo, ou seja, o gestor também deve estar apto a atestar e prestar informações sobre a sua política e a governança dedicadas à sustentabilidade.
Conclusão
Não é difícil notar que a temática envolta na sigla ESG está, a cada dia, sendo mais observada pelas organizações. Seja ainda na teoria seja na prática, o mercado identificou uma evolução rápida da necessidade de buscar iniciativas ESG diante das exigências de consumidores, investidores e governos. Em um mundo no qual o acesso à informação é globalizado, se intensifica também o acesso a diversos tipos de instrumento de dívida, entre eles os títulos verdes.
Neste contexto, os recursos disponíveis para financiar produtos e iniciativas relacionados à ESG crescem substancialmente, e as empresas que estiverem mais preparadas e verdadeiramente engajadas no tema irão estar à frente na disputa por estes recursos.
Cada vez mais, a agenda ESG se apresenta não apenas como um tema de Compliance Regulatório, mas também como uma janela de oportunidades para que o mercado de capitais atue como um importante impulsionador para a transformação dos demais setores da economia, incentivando que as empresas busquem maneiras sustentáveis e inovadoras de operar os seus negócios, em uma transição para uma economia mais justa e inclusiva, que olhe também para o consumo consciente de recursos e novas formas de operação, com novas tecnologias que agridam menos o meio ambiente, conectada com os compromissos globais de combate às mudanças climáticas.