*Daniel Mendonça
Com o surgimento da pandemia de Covid-19, empresas e instituições de diversos setores tiveram de transformar intensamente suas operações, em um curto espaço de tempo, para conseguir sobreviver em um ambiente tão desafiador.
O maior impacto dessa transformação, provavelmente, foi o avanço da digitalização de processos e operações e, consequentemente, na quantidade crescente de geração e do uso de dados para melhoria nas tomadas de decisões. As organizações que ainda resistiam em investir na monetização de dados foram forçadas a se movimentarem nessa direção. Aquelas que já tinham um nível de maturidade maior tiveram de acelerar os resultados dos seus programas.
De maneira geral, há duas formas distintas e conectadas de as empresas gerarem valor para os seus negócios, a partir de dados. A primeira, e que recebe maior atenção do mercado brasileiro, é a monetização de dados interna. Em linhas gerais, trata-se da seguinte questão: como os dados gerados e/ou adquiridos pela minha organização podem resolver os meus desafios? Como tornar a empresa mais competitiva, ganhar mais clientes, aumentar receitas, reduzir custos, melhorar a qualidade dos produtos, reduzir risco, garantir os requisitos regulatórios etc?
Nessa visão sobre a monetização, o mercado brasileiro apresenta, de maneira geral, uma boa maturidade comparada com outros países em desenvolvimento. Há diferenças significativas entre setores e companhias, mas grande parte delas já despertou para a necessidade de investir de maneira mais significativa no uso das suas informações.
A segunda forma de extrair valor das informações é a monetização externa de dados. Nesse caso, as organizações buscam responder à seguinte questão: como os dados gerados e/ou adquiridos pela minha empresa podem resolver os desafios de outras organizações? Nessa visão, o uso de dados passa a fazer parte de uma discussão muito mais estratégica, porque a empresa desperta para geração de uma nova fonte de receita, um novo negócio, a partir do uso dos seus dados. Empresas com o DNA digital, como Amazon, Google, Uber, e Facebook, já incorporam na sua estratégia um pilar sólido de monetização de dados. Recentemente, presenciamos a expansão de programas semelhantes para outros setores mais tradicionais da economia, como o agronegócio.
A John Deere, fabricante norte-americana de máquinas e implementos agrícolas, estabeleceu parceria com a Cornell University para que agricultores possam acessar ferramentas de análise baseadas em dados da John Deere. Entre eles, estimadores para seguro de safra e previsões para rendimento e gerenciamento de risco. Com isso, a empresa não apenas se aproxima do seu cliente final, como cria uma nova fonte de receita para a organização, já que os clientes acessam e pagam para utilizarem um conjunto de dados levantados pela própria John Deere.
Mas quais são os principais desafios enfrentados pelas empresas e instituições para conseguirem extrair o máximo valor dos seus dados? A experiência da EY, no auxílio a empresas de diversos setores, mostra o seguinte:
1. Visão restrita sobre o potencial de monetização de dados
Quanto a empresa conseguirá reduzir custos, aumentar a produtividade ou vender mais ao iniciar a jornada de investimentos em dados? A dificuldade de vislumbrar retorno sobre esses investimentos, aliado à concorrência com iniciativas voltadas ao Core Business, colocam os projetos de monetização de dados no fim da fila nas discussões orçamentárias das companhias.
Para superar esse desafio, as empresas precisam desenvolver uma metodologia clara para identificar, priorizar e, principalmente, mensurar projetos de dados para que todos se sintam engajados e confiantes em investir nessas iniciativas. Alguns casos de sucesso entre empresas mostram que investir em quick-wins para geração de valor rápido, mesmo que limitado, e o uso intensivo de benchmarking, entendendo o que já deu certo em outras empresas, são caminhos relevantes para superar esse desafio.
2. Gap de cultura, skills e experiência em dados
A companhia pode desenvolver o que há de mais avançado em produtos de dados para, por exemplo, impulsionar a geração de insights na tomada de decisão. Porém, se os seus profissionais continuam a desempenhar suas funções “como já fazem há anos”, nenhum valor adicional será gerado. Evoluir a cultura de dados passa, necessariamente, por alterar alguns comportamentos do dia a dia e reforçar as mudanças por meio do modelo operacional. Outro ponto relevante que impede a expansão e aceleração desses programas é a limitação de profissionais qualificados no mercado que consigam traduzir problemas, desafios e oportunidades de negócio em produtos de dados.
3. Baixo entendimento da regulação sobre a privacidade de dados
A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) traz uma regulamentação importante estabelecendo os direitos de privacidade de dados a indivíduos no Brasil, exigindo que as organizações que processam dados pessoais cumpram com obrigações específicas relacionadas à proteção de dados.
A lei precisa ser encarada como um impulsionador do uso ético e sustentável dos dados de consumidores. As empresas podem, inclusive, aproveitar o momento dos investimentos em adequação à LGPD para identificarem como monetizá-los por meio do uso adequado desses dados.
O grande desafio por parte das organizações é mostrar aos seus clientes que os dados estão protegidos e seguros e a finalidade no uso desses dados é clara e trará benefícios diretos ao consumidor. Com isso, aumenta-se muito a chance de os clientes permitirem o acesso e uso das suas informações.
Importante também salientar que, para monetização de dados, grande parte dos casos de uso/produtos de dados podem ser desenvolvidos sem a necessidade de Informações de identificação pessoal (Personally Identifiable Information – PII, em inglês). Podemos citar como exemplo os produtos de dados oriundos de projetos IoT (sensores, câmeras de monitoramento etc).
4. Visão limitada do ecossistema de dados
As empresas de telecomunicações, e-commerce, gateways de pagamento, institutos de pesquisa, empresas de georreferenciamento e tantas outras estão buscando oportunidades para monetizar as suas informações.
Muitas vezes, um dado no mercado é a chave que falta para destravar o valor de um produto de dados. No Oriente Médio, por exemplo, uma grande empresa de logística usa dados internos combinados com informações de georreferenciamento, dados de tráfego e dados de empresas de telecomunicações para planejar o seu processo de last mile delivery, conseguindo reduzir drasticamente o seu principal custo operacional: o reenvio. Criar e gerenciar uma rede de parceiros de dados é essencial. Algumas vezes é o fator primordial para sustentação de um programa de monetização de dados.
5. Dificuldade de identificar as demandas do mercado e estruturar o go-to-market de forma eficiente nos casos de monetização externa
É fundamental definir um modelo de negócio que se encaixe ao modelo operacional da empresa. Monetização via data brokers ou data marketplaces/platforms pode ser um caminho viável, mas as organizações não deveriam se limitar a essas opções. A venda direta de produtos de dados pode ser a melhor opção quando se tem clareza do potencial de monetização e dos produtos a serem desenvolvidos. Nesse caso, a empresa pode e deve contar com o apoio de parceiros que auxiliem na identificação das melhores oportunidades, definindo produtos, mercados-alvo e estratégia de ida a mercado eficientes.
*Gerente sênior de Consultoria em Digital, Data & Analytics da EY.