Artigo: CVM publica novo marco regulatório para fundos de investimento

5 Minutos de leitura 13 jan 2023
Por Agência EY

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5 Minutos de leitura 13 jan 2023

Por Emerson Morelli, líder de Wealth & Asset Management da EY

“Uma indústria de fundos mais moderna, eficiente e competitiva”. É assim que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) se referiu ao novo marco regulatório, implementado por meio da publicação da Resolução CVM 175, no dia 23 de dezembro de 2022. Após audiência pública, que contou com a contribuição de participantes do mercado, a CVM editou regulamentação muito aguardada referente à indústria de fundos de investimento, abrangendo aspectos de adequação à Lei da Liberdade Econômica, alterações estruturais significativas, definição e limitação de responsabilidades, informação de mais qualidade para os cotistas, além de abrir o leque para novas possibilidades de investimento. Veja abaixo resumo dos principais tópicos.

Consolidação e revogação de normas

A entrada em vigor da Resolução CVM 175 promove a consolidação de diversas normas relacionadas a fundos de investimentos, com a revogação da Instrução 555 (Fundos em geral), Instrução 356 (FIDCs), Instrução 444 (FIDCs NP), Instrução 472 (FIIs) e Instrução 578 (FIPs), entre outras. A norma foi publicada em conjunto com o Anexo Normativo I (Fundos de Investimento Financeiro) e Anexo Normativo II (FIDCs). Espera-se que, em breve, sejam publicados os Anexos Normativos relacionados aos Fundos de Investimento Imobiliários (FIIs) e Fundos de Investimento em Participações (FIPs).

Responsabilidade limitada e ilimitada dos cotistas

Em linha com os dispositivos da Lei de Liberdade Econômica, são implementados os conceitos de limitação de responsabilidade dos cotistas. Os regulamentos dos fundos deverão deixar explícito se a responsabilidade dos cotistas está limitada ao valor subscrito por eles ou se é ilimitada. A nova norma prevê ressalvas nas situações em que a responsabilidade dos cotistas é ilimitada, por exemplo, o cotista deve atestar formalmente que tem ciência dos riscos decorrentes da responsabilidade ilimitada, com base em termos da Resolução. Caso o regulamento não limite a responsabilidade, os cotistas respondem por eventual patrimônio líquido negativo do fundo.

Além de trazer mais segurança e previsibilidade dos riscos aos cotistas, o conceito de limitação de responsabilidade afeta as estratégias de investimento dos fundos, pois, nos casos em que a responsabilidade é limitada, não haverá mais a possiblidade de chamada de aportes adicionais junto aos cotistas, por exemplo, se o patrimônio líquido dos fundos ficasse negativo devido a perdas em operações alavancadas.

Insolvência

Em linha com as questões de limitação de responsabilidade dos cotistas, a Resolução estabelece a possibilidade da declaração de insolvência do fundo. A própria CVM pode pedir declaração judicial de insolvência, quando identificar situação em que o patrimônio líquido negativo de um fundo possa representar risco ao mercado como um todo.

Para os fundos com limitação de responsabilidade dos cotistas, a resolução estabelece diversos procedimentos a serem observados pelo Administrador, caso seja constatada a situação de patrimônio líquido negativo, como fechamento para resgates e amortização de cotas; impedimento de novas subscrições de cotas; comunicação da existência de patrimônio líquido negativo ao gestor; e divulgação de fato relevante. É necessária, ainda, a elaboração, em conjunto com o Gestor, de um plano de resolução da situação.

A Resolução menciona outras possibilidades para regularização da situação, como obtenção de empréstimos; aporte de recursos próprios ou de terceiros; fusão; e cisão ou incorporação a outro fundo de investimento.

Prestadores de serviços essenciais

Para atendimento aos requerimentos da Lei da Liberdade Econômica, em relação à definição das responsabilidades dos prestadores de serviço dos fundos de investimento, a Resolução 175 define as responsabilidades dos chamados Prestadores de Serviço Essenciais, sendo eles o Administrador e o Gestor do Fundo.

A Resolução reforça os papéis e responsabilidades determinados aos Administradores e Gestores, formalizando em alguns aspectos entendimentos que já eram adotados pela indústria e pela própria CVM em suas fiscalizações, sobretudo enfatizando o papel importante do Gestor, suas obrigações e poderes para praticar atos necessários à gestão da carteira dos fundos, bem como a eventual contratação de terceiros para a prestação de diversos serviços relacionados à atividade de gestão.

Classes e subclasses

Uma das alterações mais significativas trazidas pela Resolução, em relação à estrutura e operação dos fundos, é a possibilidade da criação de classes distintas de cotas, com patrimônio segregado para cada classe, que respondem somente por obrigações de sua respectiva classe de cotas. A Resolução também viabiliza a constituição de fundos de qualquer natureza com subclasses dotadas de direitos e obrigações distintos, o que permitirá a construção de estratégias diferentes no mesmo fundo, podendo ser diferenciadas por público-alvo, prazos e condições de aplicação, amortização e resgate, taxas de administração e gestão etc.

Em relação às questões tributárias, a Resolução determina que não é permitida a constituição de classes de cotas que alterem o tratamento tributário aplicável em relação ao fundo ou às demais classes existentes.

O conceito de classes e subclasses já é amplamente difundido nos mercados offshore de fundos de investimento, portanto, a alteração implementada pelas novas regras aproxima a estrutura dos fundos locais aos conceitos internacionais.

Participantes do mercado concordam que a implementação dos conceitos de classes e subclasses resultará em alterações significativas relacionadas aos sistemas e processos de controle de carteiras e contábeis, visto que as classes de cotas devem ter escrituração contábil própria, com suas contas e demonstrações contábeis segregadas entre si. Ainda assim, espera-se que essa nova dinâmica traga otimização e ganho de eficiência no longo prazo, com a redução de estruturas e ganho operacional relevante.

Fundos ESG

A Resolução aborda um dos temas mais discutidos atualmente, que é a agenda ESG (ou ASG). Na minuta em discussão pública, havia uma breve menção ao tema que seria inicialmente tratado apenas no âmbito dos FIDCs “Socioambientais”, porém, atendendo a pedidos do mercado, a nova Resolução amplia os dispositivos para todos os tipos de fundo que, porventura, a denominação contenha referência a fatores ambientais, sociais e de governança, tais como “ESG”, “ASG”, “ambiental”, “verde”, “social”, “sustentável” ou quaisquer outros termos correlatos às finanças sustentáveis.

Fica estabelecido que o regulamento desses fundos e os anexos descritivos das classes de cotas devem estabelecer minimamente os seguintes tópicos: I) Aspectos relacionados aos benefícios ambientais, sociais ou de governança esperados; II) Quais metodologias, princípios e diretrizes são seguidos pelo fundo para sua qualificação; III) Entidades responsáveis pela certificação das atividades do fundo; e IV) Forma, conteúdo e periodicidade de divulgação de relatório sobre os resultados ambientais, sociais e de governança alcançados pela política de investimento no período.  

A princípio, a nova Resolução foca em aspectos de divulgação de informações sobre fundos ESG. Como não havia até então nenhum tipo de determinação ou exigência para um fundo ser intitulado como ESG, podemos considerar os dispositivos da Resolução como um marco inicial ao combate ao greenwashing na indústria de fundos de investimento, sem entrar em detalhes sobre como isso será monitorado e tipos de certificações exigidas, aspectos que deverão evoluir naturalmente com o amadurecimento do tema, que ainda é inovador.

Ainda no tema ambiental, a Resolução equipara os créditos de carbono a ativos financeiros, permitindo sua aquisição pelos fundos, desde que cumpridas algumas exigências, como serem registrados em sistema autorizado pela CVM ou Banco Central, possuírem negociação em mercado regulado e os títulos serem emitidos por autorização de autoridade governamental no Brasil ou em jurisdição estrangeira.

Criptoativos

Sem dúvida, um dos temas mais discutidos recentemente no mercado de fundos é relacionado aos investimentos em criptoativos. Inicialmente, o tema foi abordado pela CVM de maneira sucinta por um Ofício Circular de 2018, que autorizava o investimento, desde que realizado por meio de plataformas de negociação estabelecidas em jurisdições que contassem com órgãos fiscalizadores, que regulamentassem o tema.

A nova Resolução traz um avanço significativo, pois permite e equipara os investimentos em criptoativos a ativos financeiros, desde que negociados em entidades autorizadas pelo Banco Central do Brasil ou pela CVM ou, em caso de operações no exterior, por supervisor local.

A equiparação desse tipo de investimento a um ativo financeiro traz um direcionamento importante em relação aos aspectos de registro, mensuração e contabilização dos criptoativos, que agora contam com um arcabouço mais fundamentado para as análises por parte dos Administradores e dos Auditores Independentes responsáveis pelo exame das demonstrações financeiras dos fundos de investimento.

Aumento de limites para ativos financeiros no exterior

Seguindo a tendência de diversificação nos investimentos, estando entre eles os investimentos internacionais, a nova regra aumenta os limites de concentração dos fundos nos ativos financeiros no exterior, podendo chegar a 100% do patrimônio líquido se a classe do fundo for identificada como “Renda Fixa Dívida Externa”.

A Resolução elenca condições a serem observadas para os investimentos no exterior, como os ativos serem registrados em sistema de custódia, possuírem supervisão de órgão regulador e terem procedimentos para verificação de existência junto ao custodiante, que deve ser entidade autorizada e supervisionada pelo regulador local.

Investidores de varejo podem acessar FIDCs

A Resolução abre espaço para que o público em geral tenha acesso direto a investimentos nos fundos de investimentos em direitos creditórios, os FIDCs, hoje só permitidos para investidores qualificados.

Caso o FIDC seja destinado ao público em geral, deve cumprir várias exigências: o cotista não poderá adquirir cotas subordinadas, que são as cotas que absorvem, em um primeiro momento, os maiores impactos relacionados a eventuais perdas decorrentes da carteira desses fundos; o cotista deverá dar ciência formal, caso o fundo permita a aquisição de precatórios federais; o regulamento do fundo deve estipular um cronograma para amortizações e distribuições de rendimentos e, ainda assim, haverá a restrição da aquisição de determinados tipos de direitos creditórios.

Como podemos observar, a Resolução 175 é bem ampla, com a alteração e implementação de tópicos atuais, tendo sido preparada com a contribuição dos participantes do mercado de fundos de investimento e apresentando potencial de alavancar o crescimento da indústria. Os desafios e as alterações operacionais são grandes, os regulamentos dos fundos devem passar por uma extensa revisão, e os sistemas deverão ser preparados para o cenário de classes e subclasses.

Sem dúvida, as adaptações à Resolução exigirão muito de todos os envolvidos no processo, nesse estágio de implementação, notadamente administradores e gestores, mas a percepção é que esse esforço valerá a pena para a modernização do mercado. A Resolução 175 entra em vigor em 3 de abril de 2023 e estabelece diferentes prazos de implementação para os temas tratados por ela.

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