Por Denis Balaguer, diretor de inovação e do wavespace da EY para América Latina
Qual deve ser o foco de uma política industrial? A verdade é que boa parte da discussão sobre o recente anúncio de políticas de neoindustrialização, ainda que traga pontos importantes sobre o papel do Estado e as más experiências recentes, passa longe dessa questão que me parece central.
Não que a discussão de política industrial não seja relevante ou conveniente. Para um país preso na armadilha da renda média, com a produtividade estagnada há décadas e em um momento de grande transformação global, é legítimo reconhecer que existem espaços para algum tipo de indução. O problema é o entendimento equivocado do que deveria ser a natureza de uma política industrial – especialmente no panorama econômico e tecnológico do século XXI.
A política industrial, por ser uma intervenção na dinâmica econômica, deveria ter um foco maior nas assimetrias e falhas tendo em vista um objetivo de avanço na fronteira produtiva. No entanto, quando se olha a política industrial (e boa parte das versões anteriores, de diversos governos), o que se constata é um remendo para compensar a falta de competitividade econômica sistêmica.
Para aumentar a produtividade e ter uma matriz econômica e industrial robusta, não deveriam ser necessárias ações focadas, mas apenas a boa gestão do Estado: infraestrutura, capacitação de recursos humanos, segurança jurídica e pública, integração internacional e custo de capital adequado.
Mas parece que por incapacidade de fazer os ajustes estruturais e superar a disfuncionalidade da economia nacional, a opção acaba sendo tratar o tema apenas com medidas paliativas, que, na maior parte das vezes, criam mais distorções e pioram os problemas estruturais.
O foco da ambição e do desenho de instrumentos da política industrial deveria ser promover a inovação de impacto nos espaços em que efetivamente o país tem condições de ser um líder global e ator relevante das cadeias de valor internacionais.
Um exame dos setores em que o Brasil possui vantagens absolutas e comparativas dá um bom indício de onde deveria estar o foco: agropecuária, mineração e energia (a indústria aeroespacial mereceria uma menção por ser o único setor de alta intensidade tecnológica em que o Brasil é competitivo internacionalmente).
Parece, para alguns, contraditório falar em “política industrial” e falar de foco nos chamados “setores primários”. Mas é necessário superar o discurso fácil de que o atraso do país é devido a sermos uma “economia primária exportadora de commodities”.
Na verdade, mais do que superar, precisamos inverter o ângulo: como usar os setores em que temos fortalezas para avançar a fronteira e gerar crescimento econômico substancial?
Uma vez superado o preconceito, não é difícil perceber os enormes espaços para adensar a cadeia produtiva de alto valor e intensidade tecnológica nesses setores. Mais ainda, há uma significativa intersecção entre as tecnologias, passando por mais profundas transformações e os desafios e oportunidades nesses setores.
Outro ponto a ser superado é fixação com o adensamento a montante da cadeia produtiva, como se não houvesse oportunidades de alto impacto na transformação do próprio processo produtivo dessas indústrias, com transbordamentos significativos.
É preciso sair da armadilha conceitual de imaginar que uma indústria extrativista é de baixa intensidade tecnológica. Para colocar um pouco de perspectiva histórica: a inovação símbolo da Revolução Industrial, que foi a máquina a vapor, é resultado da busca em transformar a atividade de mineração da Inglaterra, líder dessa indústria no século XVIII. Quais potenciais revoluções estão latentes na transformação das cadeias de valor, a montante e a jusante, da mineração, da agropecuária e energia no Brasil? Qual o impacto na produtividade agregada da economia brasileira desenvolver um setor de alta intensidade tecnológica suprindo P&D e equipamentos e serviços sofisticados para transformar a agricultura, por exemplo?
Olhando apenas para tecnologias emergentes com potencial de transformações radicais, é notável que a discussão deveria ser em temas como o desenvolvimento e fortalecimento de empresas inovadoras em nível global – grandes, médias e pequenas – de inteligência artificial; internet das coisas; robótica e sistemas autônomos; realidade aumentada e virtual; e computação quântica, que estejam voltadas para agricultura, mineração e energia, especialmente renovável.
Não que ter uma indústria nacional de computadores, automóveis ou equipamentos pesados não seja desejável. Mas uma economia minimamente funcional já deveria ser suficiente para isso, considerando o tamanho do nosso mercado interno.
Por outro lado, se quisermos, para pegar um exemplo, ter um adensamento produtivo em materiais baseados na natureza, explorando a rica biodiversidade nacional, precisamos investir de forma substancial não apenas nos fundamentos científicos de temas como simulação computacional ou análise bioquímica, mas também na estrutura produtiva e comercial para que essas empresas prosperem.
Computação quântica para simular clima? Drones autônomos para aspersão? Bioengenharia para aumentar a regeneração do solo? Inteligência artificial para simulação de cadeias logísticas? Todos são desafios na pauta de inovação tecnológica na fronteira em qualquer nação. Todos são nativos à matriz produtiva agro brasileira.
Vale olhar com cuidado a frase de Ozires Silva, que liderou a empresa âncora do único setor de alta intensidade tecnológica em que o Brasil conseguiu criar vantagem comparativa: “O Brasil é grande demais para sonharmos pequeno”.
No lugar de tentar corrigir de forma artificial as falhas de mercado provocadas pela própria disfuncionalidade do Estado, a política de “neoindustrialização” deveria usar, de forma focada, as vantagens existentes como plataformas de transformação da capacidade de inovação e criação de riqueza nacional. É aí que reside o caminho apropriado para ações de indução de alto impacto.
*Este artigo foi publicado inicialmente no TI Inside.