Por Camila Chabar, gerente de serviços na área de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade da EY
Os impactos da mudança climática no mundo são inegáveis. Mais em particular nos negócios, grandes vozes vêm se posicionando em prol do combate ao agravamento do cenário emergencial e reforçando a importância do planejamento climático corporativo. Desde 2019, o Fórum Econômico Mundial pontua a mudança climática como parte dos seus top 10 maiores riscos – e oportunidades – para estarmos atentos. Investidores e consumidores desta nova geração estão mais exigentes em relação à informação não financeira das empresas como aponta a última pesquisa global realizada pela EY com investidores – EY Global Institutional Investor Survey. Prova disso é o aumento da regulamentação internacional que vem direcionando o setor privado a ter este olhar climático mais apurado como é o caso das novas orientações da SEC US, da CVM e do próprio BACEN. A transição para uma economia de baixo carbono vai acontecer, a questão agora é: como ela se dará? Quem financiará estes investimentos?
O próprio plano de ação climático e sua execução, com eficiência em sistemas e gestão produtiva, por si só já apresentam vantagens financeiras e compensam em um espaço de tempo os investimentos realizados. Contudo, a descarbonização completa ainda possui limites tecnológicos, de inovação e de preparo. Foi neste contexto de necessidade latente de avançarmos para uma economia de baixo carbono – ou ainda net zero – e a dificuldade de financiar este processo que o crédito de carbono surgiu no debate internacional, principalmente a partir do Protocolo de Kyoto, criado na década de 90.
Quase 20 anos depois, o Brasil - que sempre teve papel relevante nessas discussões por ser o país mais biodiverso do mundo e guardar a floresta e o rio mais proeminentes para o equilíbrio climático planetário – sancionou, em 2009, sua Política Nacional de Mudança Climática, a PNMC. A PNMC era considerada ambiciosa, assim como as metas (NDC) de mitigação e adaptação ao clima que o país possuía na época. Entre os pontos mais relevantes da PNMC, estava o mercado regulado de carbono, mas que precisaria de regulamentação secundária para ser colocado em prática. Nossa primeira experiência de regulamentação nesse sentido, foi a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) que criou os Créditos de Descarbonização, chamados de CBios, por meio da lei 13.576, sancionada em 2017. Regulada mais tarde por Resolução da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, os CBios possuem críticas, mas é a nossa primeira experiencia positiva do Brasil.
Neste meio tempo, a crise climática virou emergência e, de acordo com o Banco Mundial, atualmente já há mais de 64 mercados regulados de carbono no mundo com o objetivo de estabelecer limites de emissões e apoiar a transição da economia nesses territórios. Foi em 2021 que o tema retomou com mais concretude no Brasil, a partir do projeto de lei PL 528/2021, que propôs a regulamentação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), determinado pela PNMC. O projeto foi debatido e analisado por instituições como o CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável; e a CNI – Confederação Nacional da Indústria, a fim de trazer robustez ao texto, factibilidade, alinhamento com o debate internacional, bem como garantir que o Brasil tivesse ambiente para diminuir suas emissões de GEE e alcançar suas metas climáticas.
A expectativa era que o PL tivesse sido aprovado antes, ou durante, a Conferência internacional do Clima - COP 26, realizada em Glasgow no fim de 2021. Contudo, depois de tramitar com velocidade pela Câmara dos Deputados, o projeto foi apensado ao PL 290/2020, que dispõe sobre créditos de carbono para empreendimentos de geração por fontes alternativas. Este, por sua vez, também está apensado a outro, o projeto 2148, de 2015, que prevê a redução das alíquotas de tributos sobre a receita de venda de produtos elaborados com redução de GEE. Enquanto os projetos tramitam no Congresso, as empresas brasileiras já estão sendo cobradas por regulamentações internacionais como a SEC US e, em futuro próximo, poderão ser taxadas pelo mecanismo de ajuste de fronteira da Europa, o CBAM, previsto para entrar em vigor no ano próximo ano (2023).
Neste contexto, em evento no Rio de Janeiro, o governo federal apresentou um decreto que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. Apesar de ser uma regulamentação esperada e com boas perspectivas, o decreto pode trazer insegurança jurídica e ter efeito contrário ao esperado. O próprio fato de ser um decreto e não uma lei traz algum nível de incerteza que pode se agravar em um ano eleitoral. Também dificulta o possível andamento do PL. O decreto cria ainda outros instrumentos, mas sem clareza de como funcionarão na prática, como é o caso dos Créditos de Metano - como um crédito diferente do mensurado em CO2eq - ou ainda a diferença entre Unidade de Estoque de Carbono (UEC) e os conhecidos Créditos de Carbono. Outro entendimento que ainda ficou por vir é a diferença estrutural do mercado regulado - em que se estabelece metas governamentais de redução aos setores da economia; e a do mercado voluntário - que não há metas obrigatórias e o qual as empresas brasileiras já participam há décadas. Por fim, o decreto ainda classifica os créditos de carbono como ativos financeiros – o que diferencia do comum observado no mundo - e não cita que são infungíveis, classificações relevantes que podem fazer a diferença no momento da transação do crédito e na real descarbonização, objetivo final dos créditos.
A regulamentação, apesar de imperfeita, traz uma mensagem clara: o setor privado precisará executar um planejamento climático de forma efetiva e em um espaço mais curto de tempo. Pelo decreto, assim como o último texto do PL também previa, os setores terão suas metas definidas via planos setoriais ou portarias ministeriais, mas os prazos para isso estão em aberto. Outro ponto positivo do Decreto é que ele cria um sistema único de registro, o SINARE, o que facilita o entendimento e controle dos créditos.
Em resumo, o Brasil, sem dúvida, precisava avançar na regulamentação de um mercado formal de carbono para que suas metas climáticas sejam alcançadas e para apoiar o setor privado brasileiro a trilhar seu caminho de descarbonização, cumprindo com as exigências internacionais, dos investidores e do mercado. Para isso, a EY criou uma Jornada do Planejamento Climático em que traz diagnósticos climáticos, elaboração de metas e soluções para que as empresas não apenas mitiguem os riscos e danos da mudança climática, mas que possam também aproveitar todas as oportunidades que este cenário traz a quem estiver atento e preparado.