Por Diogo Mac Cord, sócio-líder de infraestrutura e mercados regulados da EY
Os resultados parciais do último Censo impressionaram muita gente. A população brasileira é menor do que se acreditava: dos 208 milhões anteriormente projetados, somos, na verdade, 203 milhões. O ritmo de crescimento populacional, que chegou a 3,17% ao ano entre 1950 e 1960, baixou para 1,17% entre 2000 e 2010 e hoje está em 0,52% (2010-2022).
Se o resultado é impactante para o país, um olhar por município traz alertas adicionais. A cidade do Rio de Janeiro, que na década de 1970 crescia a 1,82% ao ano, encolheu nos últimos 12 anos a um ritmo anual de -0,14%.
É verdade que cada município terá sua realidade, mas há questões transversais. O Censo de 2022 aponta 124,1 milhões vivendo em concentrações urbanas — aumento de 9,2 milhões desde 2010. No entanto, as cidades de pequeno e médio portes apresentaram crescimento mais acelerado. Enquanto as com até 200 mil habitantes cresceram, nos últimos 12 anos, 6,64%, as com até 500 mil cresceram 13%, e as com mais de 500 mil avançaram apenas 3%.
Isso significa que as grandes cidades precisarão se reinventar — e o instrumento principal para isso é o Plano Diretor. Historicamente, esses planos trazem restrições à construção que, no papel, parecem boas — mas que, na prática, tornam-se um pesadelo na vida dos cidadãos. Recuos e afastamentos obrigam os edifícios a colocar grades e muros, que transformam as ruas em desertos, facilitando assaltos e afastando o comércio e os serviços. Cidades como Paris e Barcelona trazem belas fachadas ativas — lojas, cafés, restaurantes, mercadinhos — no térreo de suas construções, aproximando as pessoas do comércio e facilitando o dia a dia do cidadão. A vida se torna mais agradável — e, claro, pelo movimento das ruas, muito mais segura.
Uma volta em Manhattan, independentemente do horário e do dia da semana, comprova os benefícios à segurança de uma atividade econômica aquecida na altura das calçadas. Além disso, o uso misto dos bairros, intercalando prédios residenciais e comerciais, aproxima os alunos das escolas e os trabalhadores dos empregos, reduzindo deslocamentos e a emissão de CO2. A maior densidade torna todos esses benefícios acessíveis a mais gente. Afinal, o choque de oferta tem efeito sobre preços, baixando o custo das unidades e tornando o fornecimento de infraestrutura mais barato ao setor público. Com isso, viabilizam-se metrôs; parques; saneamento básico; segurança pública; saúde; entre muitos outros serviços que hoje precisam ser oferecidos de maneira dispersa e ineficiente.
Fortalecer parcerias com o setor privado é outro movimento necessário. Aqui, falamos não apenas dos incorporadores, que — incentivados por Planos Diretores modernos — podem trazer valor à cidade. Como exemplo, o moderno edifício B32, na movimentada Faria Lima, em São Paulo, no lugar de uma grade que limita o acesso do espaço aos condôminos, deu de presente à cidade uma belíssima praça, com teatro, dois restaurantes, esculturas e exposições artísticas, aberta permanentemente, também à noite e aos fins de semana. Falamos também da parceria com operadores privados que podem se ocupar da revitalização e manutenção de espaços públicos selecionados, especialmente por meio de Parcerias Público-Privadas, para cuidar de equipamentos como calçadas, iluminação pública, parques ou segurança por monitoramento. Não faltam exemplos de sucesso no mundo — como os Business Improvement Districts de Washington D.C., onde o setor privado revitalizou áreas centrais abandonadas há décadas.
Há muitas formas de salvarmos nossas cidades. Basta discutirmos as soluções com menos emoção e mais razão. Dados, informações e evidências precisam vencer a guerra contra pensamentos dos anos 1960 que transformaram nossas cidades em um paliteiro de edifícios gradeados e minaram a atratividade histórica de viver nos grandes centros econômicos.
*Este artigo foi publicado inicialmente no jornal O Globo.