Artigo: O que o CBAM da UE representa para o Brasil na transição para economia de baixo carbono?

4 Minutos de leitura 16 jun 2023
Por Agência EY

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4 Minutos de leitura 16 jun 2023

Por Ana Luci Grizzi, sócia da EY Brasil para Climate Change and Sustainability Services

Após alguns atrasos, com fundamento na sua política pública “mãe” de crescimento verde (Green Deal, o Pacto Ecológico), a União Europeia, no fim de abril, aprovou um pacote conhecido como “Objetivo 55” (Fit for 55) que atualiza suas políticas para garantir convergência para cumprir seu compromisso climático: redução de emissões líquidas de gases de efeito estufa em pelo menos 55% até 2030. Nesse pacote, o CBAM, que é um mecanismo de ajuste de preço de carbono na fronteira, foi aprovado.

Como a União Europeia já tem seu sistema de precificação de carbono definido via comércio de emissões (ETS – Emissions Trading System) com limites e permissões para setores industriais intensivos em carbono, geração de energia e aviação, o CBAM nasce com papel relevante para:

✔ evitar que negócios sejam realocados para países sem políticas de precificação de carbono, driblando o sistema para baratear a produção sem propiciar a redução de emissões (manobra conhecida como “vazamento de carbono”).

✔ conferir tratamento isonômico aos produtos internacionais e nacionais: se os nacionais estão sujeitos ao ETS, há custo envolvido, que precisa ser aplicado aos internacionais.

Neste primeiro momento, o CBAM é aplicável para: ferro, aço, cimento, fertilizantes, alumínio, produção de hidrogênio e eletricidade. No futuro, essa lista aumentará.

O CBAM tem, claramente, finalidade pedagógica: induzir os demais países a adotar políticas de precificação de carbono, contribuindo com as metas globais de redução de emissão de gases de efeito estufa e assegurando isonomia no comércio internacional.

O interessante é que para países com sistemas de precificação de carbono em vigor, o custo pago será deduzido no momento do ajuste de preço na importação. Para países sem precificação, seus produtos estarão sujeitos a pagamento de preço do carbono equivalente que teria sido pago se a produção ocorresse na União Europeia (via compra de certificados pelo importador com preços variáveis conforme leilões de permissões).

O CBAM entrará em vigor logo mais, restando apenas as assinaturas de Conselho e Parlamento para publicação. Porém, até o fim de 2025, ele só produzirá efeitos como prestação de contas (disclosure). A partir de 2026 é que o jogo começará de verdade, e os preços serão ajustados de forma gradual.

Agora vejamos o que esse cenário representa para o Brasil. A transição para economia de baixo carbono é definitivamente o tema que deveria estar ditando o planejamento estratégico de todos os setores econômicos brasileiros, assim como deveria estar ditando os caminhos para nosso crescimento econômico com atualização das políticas públicas brasileiras.

Enquanto não fazemos isso, o mundo caminha a passos largos, quer gostemos ou não, e os efeitos serão imensos, a começar pela nossa balança comercial.

Nossa Política Nacional sobre Mudança do Clima é de 2009. Depois disso, temos um hiato absoluto sobre o tema, que reviveu, a fórceps, pelo Executivo em 2022, com a publicação de norma que definiu os primeiros passos para um futuro mercado de carbono (Decreto 11.075).

Entre esses primeiros passos, a norma concedeu ao setor privado a oportunidade de, em consenso por setor, apresentar planos de mitigação e adaptação climática propondo metas de redução e cronograma, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Além disso, a norma previu a criação de um banco de dados nacional sobre gases de efeito estufa, desde sua origem com inventários de carbono, até a ponta final de compensações com créditos de carbono.

Ambos os pontos são relevantes: se os setores estão levando a sério a transição global para economia de baixo carbono e estão definindo governança climática para gestão de riscos de oportunidades, certamente usaram essa oportunidade para compor com seus pares ao menos algumas das etapas em termos de metas e prazos factíveis para redução de gases de efeito estufa.

Por outro lado, se o poder público está buscando construir verdadeiramente uma Política de Estado para que nosso país navegue da melhor forma possível neste novo ambiente de transição para economia de baixo carbono, o banco de dados deveria estar apto a funcionar ontem. Dados são o ouro desta era. Dados íntegros e completos sobre carbono nos qualificam, como país, a atrair capital resiliente e de longo prazo, financiando nossa transição e transformando em vantagem competitiva nossa atual vantagem comparativa em capital natural.

Em paralelo, claro, temos as ações do Congresso brasileiro. Como usual quando um tema ganha relevância, há uma confusão generalizada instalada de projetos de lei. Começamos com o 528 em 2021, partimos para o 412 e o 3100 em 2022 e, como 2023 não ficaria para trás, temos o 2229. Olhando o copo meio cheio, agora vai. Tudo indica que teremos nossa política de precificação de carbono ainda neste ano.

É fato que estamos muito atrás da União Europeia em maturidade e ações para discutir e implementar a governança climática pública e privada no Brasil, começando pela precificação de carbono. Também é fato que ignoramos solenemente o assunto, por mais de uma década.

Portanto, se formos inteligentes, temos que apressar o passo e, verdadeira e genuinamente, trabalhar com o Legislativo e o Executivo no melhor formato de precificação de carbono possível neste curto período de tempo que nos resta, não apenas para tentar evitar o ajuste de preço na fronteira da União Europeia (e dos demais países que preparam normativos semelhantes), mas para agarrar essa enorme oportunidade de descarbonização da economia global.

Como em todo processo de construção, certamente não teremos um projeto de lei ideal, até porque o ideal depende da perspectiva de avaliação. Temos que trabalhar com o que é possível, absorvendo as lições aprendidas pelos países onde a precificação de carbono já existe e mecanismos de compensação estão em vigor, e adaptá-los à nossa realidade no Brasil.

Este é o momento de construirmos uma Política de Estado de precificação de carbono, com a contribuição de todas as partes interessadas e aplicação transversal a todos os segmentos econômicos, em prol do crescimento do nosso país, da geração de valor de longo prazo dos nossos negócios e da saúde da nossa população.

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