Por Leonardo Dutra, sócio-líder de serviços na área de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade da EY Brasil
No fim do ano passado, presenciamos uma das conferências mais significativas para o futuro do planeta, a COP27, e podemos compreendê-la sob duas óticas analíticas. Primeiramente, ao olharmos para trás, o Acordo de Paris foi como um ponto de partida para o que estamos vivenciando hoje. As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, da sigla em inglês) dos países signatários detêm uma maior ou menor profundidade em relação ao papel exercido por cada território e modelo econômico. Essas metas e compromissos de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) que cada nação assumiu no Acordo de Paris, durante a COP21, também tiveram avanços distintos desde então.
Só no Brasil, quase 50% da nossa pegada de carbono vem do desmatamento, e, especificamente nesse tema, não temos visto grandes avanços. Alguns diriam até retrocessos. É nesse cenário que um desafio se impõe: frear o desmatamento e preservar a biodiversidade, temas que estão completamente interconectados. Não há distinção hierárquica entre as duas missões prioritárias e a questão climática.
Em segundo lugar, a questão-chave do financiamento climático para a biodiversidade. Na última COP, o tópico protagonista foi “justiça climática”, ou seja, uma compensação econômica para perdas e danos advindos da mudança do clima e que busca reparar os prejuízos climáticos nos países em desenvolvimento que não têm capacidade econômica de adaptação e que estão sendo proporcionalmente mais afetados. O fato que não podemos desconsiderar é que são nessas nações onde se localizam, majoritariamente, os hotspots da biodiversidade (áreas naturais do planeta com grande diversidade ecológica em risco de extinção).
Sendo os Estados Unidos e a China responsáveis por mais de 50% das emissões globais, é razoável do ponto de vista geopolítico que o ressarcimento climático como forma de reparação de danos de curto, médio e longo prazos seja também de sua responsabilidade. Do ponto de vista da execução, o que se projeta é um maior fluxo de capital sendo direcionado aos países que menos contribuíram para o colapso climático que estamos vivendo hoje.
Enquanto a ciência alerta que atingimos níveis recordes de emissão de carbono no ano de 2022, o momento é oportuno para falarmos da diferenciação entre preservação e recuperação. Há 30 anos, já era possível perceber as consequências do desenvolvimento no norte do país.
Um exemplo clássico disso é que no passado o desmatamento era condição para titulação de terras, ou seja, a ideia de desenvolvimento estava associada à retirada dos componentes naturais. Obviamente isso cunhou um elemento cultural inegável em determinadas regiões do Brasil. Além da preservação ter um custo menor que a exploração, ela também está embutida em uma lógica econômica das populações que existem naquele local, por meio de seus costumes, tradições e, sobretudo, direitos. É por isso que precisamos encontrar novos meios e caminhos sustentáveis de gerar capital a partir da preservação, pensando em mecanismos de transição.
Já a recuperação é mais complexa e exige mais investimento. Na realidade, ela demanda uma compreensão técnica diferente. Imaginemos o setor de mineração. Por melhor que seja a área de engenharia, não é razoável imaginar que resgataremos o status quo ambiental no território, mas é possível devolver um equilíbrio paisagístico e ecossistêmico a ele. Para regiões antropizadas (áreas cujas características originais foram alteradas), precisamos de um olhar de viabilidade. O papel do investimento aqui pode gerar um maior retorno tanto do ponto de vista ecossistêmico quanto econômico.
No contexto brasileiro, precisamos conciliar essas visões em benefício da biodiversidade. O bioma amazônico é um patrimônio muito relevante. O papel da Amazônia é também socioeconômico, e, portanto, ela deve ser preservada em absolutamente todos os sentidos. Por outro lado, há também o papel geopolítico. Quando uma iniciativa privada faz negócios na região, ela traz legalização, movimento que gera um mecanismo de transparência, monitoramento e governança de jornada correta, mesmo que ela seja passível de falhas institucionais e irregularidades. Não vamos acertar sempre, mas é imprescindível assumirmos o compromisso de fazer o certo.
Nesse sentido, reunimos três insights na jornada da sustentabilidade da biodiversidade:
1) Mecanismos de controle precisam ser desenhados para que se encaixem na equação econômica. Não se trata de “ou desenvolvimento, ou preservação”, a lógica é “desenvolvimento por meio da preservação”.
2) Enfrentar e assumir as falhas no processo. Assim como publicamos relatórios de sustentabilidade com conquistas e reconhecimentos, é preciso também compartilhar os aspectos negativos. Existe uma cultura em mecanismos de reporte de se maximizar o certo e minimizar a não conformidade, comumente chamada de “oportunidade de melhoria”, mas é preciso fazer diferente. Tratar os erros de forma direta e transparente é, na verdade, sinal de credibilidade.
3) Utilizar os mecanismos de governança para endereçar os problemas e repactuar os compromissos com os fornecedores, clientes e setor empresarial nessa jornada de aprendizados coletivos.
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