Por Ana Luci Grizzi, sócia da EY Brasil para Climate Change and Sustainability Services
Se 2023 foi o ano mais quente da história, com tragédias intensificadas pela mudança do clima e prejuízos bilionários no mundo inteiro, este é o ano da governança climática.
Para as empresas, isso se desdobra em muitos pontos: identificação de fontes de emissão de gases de efeito estufa, discussão sobre dupla materialidade (de impacto e financeira), integração e atualização dos sistemas de gerenciamento de risco corporativo com dados climáticos, atualização de planejamento estratégico com oportunidades climáticas, reportes baseados em padrões globais.
A lista não para por aqui, mas já dá uma ideia da realidade que se impõe aos negócios. Tudo isso junto e misturado passa a ser o toque da sustentabilidade como diretriz estratégica. É um novo contexto inteligente, inovador, desafiador e com o condão de decidir a sobrevivência das companhias e das instituições financeiras no longo prazo.
Vejamos o setor financeiro, começando pelos bancos. Em janeiro de 2020, fiquei impressionada com o relatório do Banco das Compensações Internacionais (BIS), também conhecido como “o banco central dos bancos centrais”, sobre o Cisne Verde.
Imagine uma crise financeira global causada por fatores climáticos que não constavam em sistema de gerenciamento de risco algum porque fugiam da regra usual da materialidade/impacto.
Eis o motivo da minha empolgação: esse relatório desenhou literalmente qual seria o tratamento adequado a ser dispensado ao tema da sustentabilidade no mundo financeiro – nada mais, nada menos, que a provedora de capital natural sem a qual não há economia.
Além dos bancos
Muitas águas rolaram nos últimos três anos. Os padrões de divulgações recomendados pela TCFD ganharam posição de destaque e se espraiaram como referência para além do setor financeiro.
O BIS continuou avaliando risco climático e publicou mais quatro relatórios. O Banco Central do Brasil incluiu a dimensão sustentabilidade na Agenda BC#, publicando pacote regulatório que incorpora riscos ambientais, climáticos e sociais na estrutura de governança, no sistema de gerenciamento de riscos e nas divulgações dos bancos brasileiros.
O International Financial Reporting Standards, que define padrões contábeis globalmente referendados para demonstrações financeiras, lançou o ISSB, que trata da divulgação de dados financeiros relativos à sustentabilidade e aos riscos climáticos.
Neste momento, temos uma consulta pública em andamento no BIS para refinar ainda mais, em termos qualitativos e quantitativos, a divulgação de riscos climáticos das instituições financeiras.
Vejam só, mesmo que as recomendações da TCFD formem a base da divulgação de riscos climáticos no padrão determinado pelo IFRS, ainda estamos engatinhando na preparação desse novo reporte, mas já temos o BIS dando dez passos à frente.
Isso certamente funciona e está alinhado com o sistema de “blocos de construção”, ou uma espécie de Lego, definido pelo IFRS. A base das divulgações continua sendo o reporte financeiro com foco no investidor, acrescida dos dados financeiros relativos à sustentabilidade e ao risco climático. A cereja do bolo serão as determinações quali-quantitativas do BIS. Desafiador, sem dúvida.
A curiosidade aqui será como o Banco Central irá se comportar. Seu relatório de riscos e oportunidades sociais, ambientais e climáticas publicado em outubro indicava que haveria, ainda em 2023, nova consulta pública visando atualizar as normas de divulgação de riscos climáticos, levando em conta IFRS e o tratamento holístico do BIS para integrar risco climático no Pilar 3 de divulgações bancárias (sem a necessidade de relatório separado, formato adotado pelo BC no Brasil).
Se o cronograma de junho de 2024 para publicação da norma atualizada de risco climático for mantido, é provável que logo mais tenhamos mais essa consulta pública circulando.
Ainda no setor financeiro, mas mudando o foco para mercado de capitais, temos a IOSCO com consulta pública em andamento sobre mercado voluntário de carbono. Isso mesmo, a organização internacional que congrega as CVMs do mundo quer saber até onde os reguladores de mercados de capitais devem ir quando o assunto é o mercado de carbono voluntário, aquele que nasce e opera exclusivamente sob as regras de mercado, sem interferências regulatórias, ao menos até agora.
Nessa consulta, a IOSCO propõe uma lista de 21 boas práticas para fomentar mercados de carbono voluntários seguros e com bom funcionamento, desde as estruturas de mercado, a comercialização segura e ordenada, até a transparência e disponibilidade de dados e acessibilidade.
Os quatro grandes pilares das boas práticas propostas são enquadramento regulatório, emissões no mercado primário, comercialização no mercado secundário, uso e divulgação de uso de créditos de carbono pelos compradores.
Mercado de carbono
Considerando que o mercado de capitais é essencial para que o Brasil consiga financiar sua transição para baixo carbono e que nosso mercado de carbono voluntário de base florestal já é uma excelente fonte de atração de capital resiliente, qualificado e de longo prazo, é fato que mais dia, menos dia, a CVM estará no centro das discussões.
Aliás, podemos até dizer que já está. No processo legislativo para regulação do mercado de carbono brasileiro, os créditos de carbono já foram e deixaram de ser, em versões diversas, valores mobiliários. Segundo a versão mais atualizada do Projeto de Lei 2.148/15 aprovada na Câmara no apagar das luzes de 2023, neste momento, não seriam, estando fora da competência da CVM para regulação.
E o que seu negócio tem a ver com isso?
Tudo. De onde vem sua alavancagem?
Dos bancos? Prepare-se para ter governança climática implementada e dados robustos e confiáveis para mostrar que você está fazendo a lição de casa direito, fazendo jus à manutenção do fluxo de capital e contribuindo com as metas e governança climática dos próprios bancos. Aliás, seu planejamento estratégico está alinhado com, por exemplo, a descarbonização de portfólios que estão em compromissos de alguns bancos para ocorrer logo ali em 2030?
Do mercado de capitais? Prepare-se para ter governança climática implementada e dados robustos para informar à CVM e divulgar ao mercado. O escrutínio de veracidade, confiabilidade e consistência hoje é fácil, rápido e ao alcance de alguns cliques, além da supervisão que será feita pela própria CVM a partir deste ano. Lembre-se também que se você já tem algum nível de governança climática implementada e usa créditos de carbono para compensação das emissões que não conseguiu neutralizar ou reduzir, vale acompanhar a atualização de ambiente regulatório para assegurar que sua estratégia estará alinhada.
Ações do setor financeiro relacionadas a clima cascateiam e impactam todos os negócios. Esse é um caminho mais do que esperado, já que o fluxo de capital na direção adequada é a maneira mais rápida e eficaz de fazermos a transição para economia de baixo carbono.
Quão alinhado com esse cenário seu negócio está? Ou clima é um item relevante em sua pauta estratégica, ou seu bottom line tenderá a não agradar aos detentores de capital. Fica a dica.
*Este artigo foi publicado inicialmente na Capital Reset.